Gustavo Magnani, criador do site Literatortura, o maior portal literário da americana latina e autor de Ovelha – Memórias de um Pastor Gay, é um empreendedor como poucos. A capacidade de antecipar as tendências e, com uma visão primorosa, entender a direção que nossa sociedade irá poderia ser algo visto como um dom, no entanto, é resultado de bastante observação, estudo e perspicácia. Acontece que, quando somos capazes de olhar para o mundo, algumas vezes pode viver e intervir neste mundo e fazer com que ele incorpore como potência aquilo que ele é. Como observador de grande parte da carreira de Gustavo, posso dizer que este é seu trajeto: um homem do nosso tempo, do nosso país, vindo de uma cidade pequena sem medo das grandes metrópoles. Alguém que inventa uma maneira de fazer internet, um sujeito que descobre novas formas de literatura. Um cara de grandes ideias e mundos impossíveis. Um cara do século XXI, do futuro. Um cara essencial.
O NotaTerapia entrevistou Gustavo Magnani. Confira:
Gustavo, eu queria fazer uma pergunta sobre o Literatortura, mas ele é muito próximo de mim, tenho muito afeto por ele. A página é um fenômeno. A força dela é incrível! Eu queria saber o que é o Literatortura para você para além do óbvio: profissão, hobby, espaço para expor pensamentos, abertura para falar de política. Quais são os sentimentos, os afetos, as amizades, aquilo que nem todo leitor pode ver quanto acessa o site e a página?
GUSTAVO – o Litera (como chamamos a página internamente) é, mesmo tendo crescido tanto, muito parecido comigo. Vive de etapas. Altamente produtivas e intensas, outras um tanto quanto distantes e desconectadas do mundo. É uma experiência estranha, porque pode ser frustrante em muitos aspectos. Sinto que poderia fazer muito mais e quero tirar e entregar muito mais com ele. infelizmente, dependemos de tantas e tantas coisas para conseguir manter um site como o literatortura em alto funcionamento. Nesse tempo, outros projetos e trabalhos surgem, mas ele permanece lá, com todo seu peso e força. Um dia mais acordado, outro mais sonolento. Tem vida própria, gosto de pensar. Ele representa muito de minha trajetória e espero, com um ano mais consistente, levá-lo, agora, a outros patamares.
Se o Literatortura foi um marco na sua vida, Ovelha com certeza é um outro, não? Percebo que com Ovelha, você já é um escritor formado em todos os aspectos, já entende muito bem o que quer e o que procura na literatura. Como você encaixaria o Ovelha dentro de nosso mundo contemporâneo? O que ele representa e no que ele pode ajudar a pensar nossa sociedade?
GUSTAVO – Ovelha é como um ente querido. não só o amo por ter ‘meu sangue’, eu o respeito, eu me compadeço de Ovelha, porque a história que ele traz, as personagens que são apresentadas, a forma como a trama é construída… tenho um orgulho imenso de ter descoberto esse livro, tê-lo escrito e de ver a trajetória que ele vem ganhando. Olhando de fora, confesso uma certa tristeza, por achar que o livro merecia um debate amplo em outras mídias, pelo que ele traz e aborda, mas os paradigmas estão aí e compreendo algumas das portas fechadas. Ovelha é, talvez seja, um livro para o mundo de hoje, mas para leitores de amanhã.
Você sempre faz questão de dizer que é cristão e ressaltar a importância que o cristianismo tem na sua vida. Em Ovelha o primeiro enfrentamento, me parece, é com os religiosos ou pelo menos um tipo deles. A impressão é de que, como cristão, a sua missão parece redobrada. No que a religião te ajuda na hora de enfrentar o mundo político de hoje em dia? Ela ajuda ou ela atrapalha? Ás vezes, você se vê em algum dilema moral ou ético (ou seja, o cristianismo diz uma coisa e você acredita em outra)?
GUSTAVO – Não necessariamente, porque muito (ou tudo) do que acredito é dito pelo cristianismo que eu creio. Agora, que minhas atitudes ou ações podem ser contrárias, isso se dá pelo carácter humano de errar, errar e errar. E tentar aprender com o erro. costumo aprender. E como errei muito, aprendi muito. Sinto-me cada vez mais preparado pras coisas que quero e que serão exigidas de mim. A religião me ajuda, sempre. Já me atrapalhou muito. Mas, no atual momento, só ajuda.
Eu e você vivemos discutindo política pelas redes sociais. Na verdade, penso que você é uma espécie de termômetro para mim: se o assunto chegou até você é porque mobiliza uma parte de pessoas que eu considero importante. No entanto, percebo que nossas divergências, no fundo, são concordâncias em muitos aspectos: algo de meu mundo, chegou até o seu. Algo que acho interessante é uma relação com a política de sua cidade: Guaíra. Guaíra é uma cidade pequena e, imagino, com seu lado conservador o que deve ser uma tarefa complicada para você enfrentar, não? Como você acha que viver em Guaíra – ver o mundo através de sua geografia – pode ser uma fagulha para pensar o resto do Brasil? Guaíra pode, de certa forma, ser vista como uma alegoria para pensar nosso país?
GUSTAVO – Não tenho dúvidas que sim, Guaíra é uma cidade peculiar em muitos aspectos. A moral e a ética são extremamente relativas, talvez muito como em certos lugares de extremos no brasil. Por viver na fronteira com o Paraguai, num ponto de tráfico, as demarcações do que é correto e do que é errado, são dilatadas. É engraçada essa pergunta, nesse momento, porque isso tem sido um ponto de reflexão pessoal. O quanto a cidade influencia na minha maneira de ver, escrever e agir. Alguns daqui dizem que sou cosmopolita demais. Quando saio daqui, outros dizem que sou caipira demais. É um misto de moleque que jogava bola descalço na rua com estudante de literatura, escritor de temas ‘abrangentes’. Mas, em suma, Guaíra será cenário de um livro. Pro futuro, não penso nele ainda.
Quando Ovelha entrou no mundo, alguma coisa mudou. Percebo isso. Pode ter sido só para você e para pessoas próximas, mas acredito que mudou o mundo para muita gente. Quais os ecos de ter colocado este livro no mundo e qual a gratidão com que isto vem e te faz pensar sobre as coisas da vida? Afinal de contas, o que é a vida depois de Ovelha?
GUSTAVO – Mudou muito. talvez, mais dentro de mim do que fora. Mais como eu enxergo a literatura, o mundo literário e os leitores, além, claro, da minha função nela. Do que eu quero, do que eu desejo fazer. Sou grato demais por ter estreado com Ovelha, junto com tudo o que ele representa de positivo e negativo. De certa forma, tenho uma tendência a testar os extremos das pessoas e, como recebo bem o julgamento alheio, acho curioso ver algumas das reações ao ler Ovelha. Por exemplo, alguns dos ecos são mensagens inacabáveis de pessoas extremamente agradecidas, sobre como ovelha as reflete, de diversas formas. E o mais curioso é que são pessoas diferentes que se identificam com o livro. Muitas adoram, outras, se incomodam pelo peso e pelos palavrões do livro. A esses, acho que uma simples leitura na sinopse pouparia tempo. Nunca foi prometida uma bela história de superação. Digo, uma história de superação? Talvez. Mas, não nos moldes comuns. Pra mim, é uma bela triste história de um ser demasiado humano.