[Traduzido de Electric Literature]
Em Do jeito que você gosta — a peça de Shakespeare em que uma personagem feminina mais tem falas — Jacques diz que “O mundo todo é um palco”. Ele quer dizer metaforicamente, mas, quando o assunto é Shakespeare, nós fizemos o melhor para tornar isso realidade. Todo o continente é um palco: não nos esqueçamos que Eugene Shiefflien nos amaldiçoou com o “estorninho”, uma espécie intimidadora e invasiva que gosta de viver dentro das casas, seguindo seu plano de trazer todos os pássaros vivos já mencionados por Shakespeare à América do Norte. Todo o sistema solar é um palco: todas as 27 luas de Urano foram denominadas de personagens de Shakespeare. E nós gostamos de encenar Shakespeare nos lugares mais imprevisíveis, o que faz com que aviões, metrôs, supermercados, hospitais e cemitérios sejam palcos também.
Aqui estão 10 lugares que deturparam completamente a fala de Jacques e a interpretaram literalmente:
Avião
“O que há num nome?”. Um pouco demais para a Easy Jet, a empresa de aviação que fez campanha para o Dia Nacional de Shakespeare (23 de abril). Como eles fizeram? Para começar: uma imagem gigantesca de William Shakespeare pintada na fuselagem do avião, uma petição para conseguir 1000.000 assinaturas e pedir ao Parlamento que considerasse o feriado, e apresentações de peças de Shakespeare nas áreas de espera de aeroportos. Mas então eles olharam para o céu — como fazem os amantes, com asas emprestadas de cupido e gasolina de avião para “voar muito acima disso tudo”. Como a penúltima asa da campanha, a empresa convidou o grupo teatral Reduced Shakespeare Company para encenar Romeu e Julieta à bordo de um voo para Verona.
Metrô
Tenho quase certeza de que Shakespeare escreveu “A vida não é senão uma sombra que passa, contada por um idiota [detido momentaneamente na estação pelo despachante do trem]”. Aqueles que vivem em Nova Iorque passam boa parte da vida no subsolo, à espera de metrôs atrasados. O metrô é um lugar espaçoso para vários usos: transporte, quarto de hotel, banheiro e, sim, palco para artistas de rua. Mas Paul Marino e Fred Jones, de acordo com o The New York Times, fizeram mais explicitamente do metrô um palco para encenações bilíngues de Romeu e Julieta, Hamlet e de outras peças.
Cemitério
Praticamente qualquer tragédia de Shakespeare seria até acolhedora num cemitério (Hamlet tem até uma cena em um). Mas e uma comédia? Como parte da série “Shakespeare in the Cemery”, a companhia the Mechanical Theater (que é especializada em atuações teatrais em monumentos históricos e museus), encenou Sonho de uma noite de Verão no Cemitério Laurel Hill na Filadélfia. O que, eu imagino, resume um pouco do teatro de Shakespeare — todos se casam, mas não se esqueça de que todos também vão morrer.
Supermercado
No sudeste de Londres, a companhia Supermarket Shakespeare encena partes de peças do autor e de outros dramaturgos. Eles estão “rompendo com o espetáculo do consumismo com seu próprio espetáculo”, como informado por Lyn Gardner pelo Guardian. Seis atores por vez perambulam pelos corredores do supermercado encenando cenas de 20 minutos. Os espectadores podem seguir 3 atores por vez, assistindo enquanto, algumas vezes, suas cenas podem interagir com outras. Gardner dizer que há pouco de Shakespeare, realmente, mas muito da vida real colidindo com o teatro real.
Hospital
A gente dá o crédito a Shakespeare de várias coisas, mas nós podemos responsabilizá-lo pela invenção da psicanálise moderna? Algumas dizem que as peças dão à plateia a possibilidade de entender nossas ações e destinos. Como noticiado pelo The Huffington Post, o falecido psicoterapeuta Murray Cox estudou uma série de encenações de Shakespeare no Hospital Broadmoor, uma instituição de segurança máxima para pacientes com doenças mentais severas e condenados pela justiça. As peças incluem atuações de emoções graves e suas consequências — amor, busca por poder, inveja, ganância, assassinato, traição, roubo, entre outras. As peças foram encenadas por companhias profissionais de teatro e muitos dos espectadores foram condenados pelos mesmos crimes representados. Depois da peças, de acordo com o HuffPost, havia um “triálogo” terapêutico entre os atores, os pacientes e os clínicos.
Bar
Por mais que o brinde “Boa companhia, bom vinho, boa recepção podem tornar as pessoas boas” não pareça mais verdadeiro depois do final de Henrique VIII, nós podemos tentar, não é mesmo? Em Washington D.C., existe a iniciativa Shakespeare in the Pub. Imagina onde as peças são encenadas? Em bares pela cidade. E em Nova Iorque, existe a Drunk Shakespeare, interpretadas em um palco mais tradicional. A plateia precisa beber para entrar e os atores são desafiados a jogos que complicam as suas habilidades em memorizar falas.
Prisão

O elenco de Júlio César do complexo prisional Luther Luckett, 2017.
A Shakespeare Behind Bars (SBB) é a uma organização sem fins lucrativos que organiza produções de Shakespeare em penitenciárias para “oferecer encontros teatrais com problemas pessoais e sociais aos encarcerados e adultos e jovens egressos”. De acordo com o Instituto Nacional de Justiça Social, as estatísticas demonstram que o índice de reincidência criminal do país é de 76,6%. Já entre os participantes do Shakespeare Behind Bars, esse índice é de 6%.
Estacionamento
Todo verão a Companhia Drilling organiza encenações de peças de Shakespeare num estacionamento de Nova Iorque para a série Shakespeare in the Parking Lot. O interessante é que esses estacionamentos ainda são usados, e as interpretações ocorrem enquanto os caros estacionam e manobram nos espaços da peça. O diretor, Hamilton Clancy, diz que eles escolheram o estacionamento como palco por que se “trata de um lugar tremendamente acessível de coletividade no coração da cidade” e que seu espaço dá à tradicionalidade de sua performance uma “ruga urbana”.
Zoológico
Asnos, sim, mas eu não me lembro de nenhuma peça de Shakespeare com serpentes no cenário. Em “Wild Shakespeare”, na Austrália, o grupo teatral Wild Voices encena partes de peças de Shakespeare no Zoológico Nacional para inspirar uma relação entre a natureza humana, os animais e o meio-ambiente.
Pasta
O último, mas não menos importante. Contudo, provavelmente o menor palco em que encenaram Shakespeare. O Tiny Ninja Theater encenou Macbeth no Festival Internacional Fringe de Nova Iorque num palco do tamanho de uma pasta para uma plateia de 10 pessoas, com espaço para mais 5 pessoas. Mr Smile fez o papel de Macbeth e Mrs Smile o de Lady Macbeth. O diretor admitiu que trabalhar com atores inexperientes apresentou alguns desafios: “Tensões e conflitos de personalidade sempre surgem quando um grande grupo de ninjas pequeninos de plástico trabalham tanto num projeto que significa o mundo para eles. Mas, no final, nós todos nos tornamos mais fortes. Eu gostaria muito de agradecer especialmente ao Ninja, que aceitou o papel de Donalbain de última hora, depois que o ator original se machucou com uma faca.