Junta-Cadáveres (1964), de Juan Carlos Onetti, conta a história de Larsen, conhecido com Junta-Cadáveres, cuja profissão é reunir prostitutas em fim de carreira e auxiliá-las a trabalhar e sustentar no fim de suas vidas. Seu sonho é montar um prostíbulo na cidade de Santa Maria, ao lado da prostituta e companheira Maria Bonita. Eis que, após longos anos de batalhas políticas, a autorização do estado vem e Junta realiza o sonho. Embora, nos primeiros dias, o que se vê diante da criação do prostíbulo seja o desconfortável silêncio da cidade, que aparece quase desabitada, por exemplo, com a chegada das prostitutas, aos poucos, o que vai se esgarçando é uma lenta, porém brutal resistência das camadas conservadoras da cidade, começando pela igreja com as homilias do padre aos domingos, passando pelos grandes empresários e poderosos que veem ali um ponto de perdição dos mais jovens, até as cartas anônimas da associação das esposas que revelam, com detalhes, quem frequentou e quando o bordel, ameaçando destruir casamentos arranjados e famílias de renome. Leia a resenha completa aqui!
O NotaTerapia separou as melhores frases da obra:
Díaz Grey esqueceu a jornada enquanto relembrava sensações de outras paisagens invisíveis, de outras travessias noturnas em inversos chuvosos, de rostos e gestos, de solidões, de repentinas e curtas crenças. Desde muitos anos sua memória era impessoal; evocava seres e circunstâncias, significados transparentes para sua intuição, antigos erros e premonições, com o puro prazer de se entregar a sonhos escolhidos por serem absurdos.
Não quero aprender a viver, e sim descobrir a vida de uma vez e para sempre.
Relembrei o rosto dela um momento antes, compreendi que havia visto ali, deliberado, exibido com voluntário exagero, o sentido de todos os rostos humanos, o fim para qual crescem, atuam, existem os ossos, a pele, os músculos, os pelos, os orifícios dos rostos: se impor aos demais, aboli-los, ser neles e obrigá-los a ser em nós.
Algumas coisas a gente precisa viver para saber o que são.
Junta oscilava entre a piedade e o asco. Sempre lhe acontecia isso com os mortos.
No fundo – sentiam-no às vezes durante o passeio, como o cheiro dos perfumes e do talco com que haviam completado o banho depois da sesta -, o que arrastavam pela cidade era o medo, a sensação de não ter direito de pisar naquela calçadas, de afunar as mãos nas pilhas de seda e lã dos mostradores. Sabiam disso sem saber muito bem e por isso nunca falavam a respeito.
Cada verdadeiro desejo engendra uma promessa de cumprimento.
O homem é dissipação, postulou, e o medo da dissipação.
Um velho não é alguém que foi jovem, é alguém diferente, sem união com sua adolescência, é outro.
A poderosa imaginação novelística dos analfabetos acrescenta que os casais aleatórios reunidos pelos deuses descobriram, em tempo, também eles, que a solidão mais triste que a solidão de dois em companhia.
Junta chega a descobrir que o que torna pecaminoso é sua inutilidade, aquela perniciosa necessidade de bastar-se a si mesmo, de não derivar; sua falta de necessidade de transcender e de depositar no mundo, visíveis para os demais, palpáveis, coisas, cifras, satisfações que possam ser compartilhadas.
Era a hora em que se chamavam de querida, fingiam respeito e atenção uma pela outra, cada uma ia construindo com as frases e os sorrisos dirigidos à outra sua própria imagem ideal.
Você tem um corpão, fez muita ginástica, tem muita força. Sempre foi assim. E a força é como o dinheiro, a gente tem que gastar.
Assim, imaginando que invento tudo o que escrevo, a coisas adquirem um sentido, inexplicável, é certo, mas do qual só poderia duvidar se duvidasse simultaneamente da minha própria existência.
Tenho medo do silêncio porque ela é mulher, é mais velha, tem muito mais coisas para calar.
Não existe o mundo, não há Santa Maria. Tudo o que você puder ver fora aqui é mentira, tudo o que você tocar. E até o que pensar fora aqui e o que pensar estando aqui e que não tenha relação comigo. Com isto. Com você e comigo. Com este quarto.
As boas intenções não bastam e quem dá o que pode dá tudo.
Edição: Editora Planeta, 2005