Ailton Krenak é um ambientalista e líder indígena dos Krenak, que vivem às margens do rio Doce, em Minas Gerais. Foi uma das lideranças indígenas responsáveis pela conquista do “Capítulo dos índios” na Constituição de 1988, que promulgou os direitos indígenas à terra, mas seu percurso data desde 1970 como ativista, jornalista e educador.
Voz potente na literatura desde o o seu O lugar onde a terra descansa (2000), o ativista foi um dos autores mais lidos em 2019 com Ideias para adiar o fim do mundo, uma coletânea de palestras em que fala sobre nossa caduca relação com a Terra. Mas não é um pregador do apocalipse, como bem pontua: é um mensageiro de outras possibilidades de vida.
O amanhã não está à venda é um ensaio recém-lançado que joga luz sobre a pandemia mundial de Covid-19 e pede urgência do coletivo humano em tratar sua relação com a natureza. Confira aqui os melhores trechos:
Quando engenheiros me disseram que iriam usar a tecnologia para recuperar o rio Doce, perguntaram a minha opinião. Eu respondi: “A minha sugestão é muito difícil de colocar em prática. Pois teríamos de parar todas as atividades humanas que incidem sobre o corpo do rio, a cem quilômetros nas margens direita e esquerda, até que ele voltasse a ter vida”. Então um deles me disse: “Mas isso é impossível”. O mundo não pode parar. E o mundo parou.
Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade. Nós nos acostumamos com essa ideia, que foi naturalizada, mas ninguém mais presta atenção no verdadeiro sentido do que é ser humano.
[…] viramos adultos, estamos devastando o planeta, cavando um fosse gigantesco de desigualdades entre povos e sociedade De modo que há uma uma sub-humanidade que vive numa grande miséria, sem chance de sair dela – e isso também foi naturalizado.
A natureza segue. O vírus não mata pássaros, ursos, nenhum outro ser, apenas humanos. Quem está em pânico são os povos humanos e seu mundo artificial, seu modo de funcionamento que entrou em crise.
[…] a sociedade precisa entender que não somos o sal da terra. Temos que abandonar o antropocentrismo; há muita vida além da gente, não fazemos falta na biodiversidade. Pelo contrário. […] Somos piores que a Covid-19. Esse pacote chamado de humanidade vai sendo descolado de maneira absoluta desse organismo que é a Terra, vivendo numa abstração civilizatória que suprime a diversidade, nega a pluralidade das formas de vida, de existência e de hábitos.
“Filho, silêncio”. A Terra está falando isso para a humanidade. E ela é tão maravilhosa que não dá uma ordem. Ela simplesmente está pedindo: “Silêncio”. Esse é também o significado do recolhimento.
É hora de contar histórias às nossas crianças, de explicar a elas que não devem ter medo. Não sou um pregador do apocalipse, o que tento é compartilhar a mensagem de um outro mundo possível.
Já vi pessoas ridicularizando: “ele conversa com árvore, abraça árvore, conversa com o rio, contempla a montanha”, como se isso fosse uma espécie de alienação. Essa é a minha experiência de vida. Se é alienação, sou alienado. Há muito tempo não programo atividades para “depois”. Temos de parar de ser convencidos. Não saberemos se estaremos vivos amanhã. Temos de parar de vender o amanhã.
Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro.
O ensaio de Ailton Krenak está disponível para download gratuito aqui.