Uma das coisas mais bonitas do mundo é quando um livro inspira um outro livro. No caso de A Visão das Plantas, foi lendo Os Pescadores de Raul Brandão que Djaimilia Pereira de Almeida encontrou a frase que haveria de inspirar anos depois o seu livro.
Raul Brandão fala de personagens que conheceu quando era levado pela mão até ao colégio. Entre eles, estava o capitão Celestino:
“[T]endo começado a vida como pirata a acabou como um santo, cultivando com esmero um quintal de que ainda hoje me não lembro sem inveja. Falava pouco. […] A sua vida anterior fora misteriosa e feroz. De uma vez com sacos de cal despejados no porão sufocara uma revolta de pretos, que ia buscar à costa de África para vender no Brasil. Outras coisas piores se diziam do capitão Celestino… Mas o que eu sei com exactidão a seu respeito é que para alporques de cravos não havia outro no mundo.”
A Vida das Plantas é um pequeno romance lançado em 2019 e recém-chegado às prateleiras brasileiras. A história tem como protagonista um capitão de navio negreiro aposentado. Segundo matéria publicada pelo Globo, o livro conta a história, com uma síntese brutal, da natureza brutal de Celestino e o registro de sua impunidade rodeada por flores nos anos derradeiros, eixos centrípetos do livro da escritora que, nascida em Luanda em 1982, cresceu nos arredores de Lisboa. O que se pode ver nas páginas do livro é uma imagem de parte da história de um país que se encarna na figura de um velho.
Um incrível trecho, já nos revela qual será o caminho traçado pelo livro:
“Vale a vida inteira ver o jardim espreguiçar-se. O sol espreita, vou sem sono nenhum dar-lhes os bons-dias, coo o café, canto-lhes uma oração da manhã, dizemos bom dia todos juntos e deito-me a elas, de joelhos, aparo as que morrem durante a noite, que algumas vão-se no escuro, nem dou por elas, quase me apetece um dedal para tocar-lhes, que a sua alegria viçosa queima-me os dedos, a minha barba a cheirar ainda a noite, as ramelas que me escaparam, flores da minha vida, cravos teimosos, sempre enfronhados, olhos inchados, os cravos salpicar-lhes água em cima, antes água que cal nas carapinhas de luz, cravos da minha vida(…)
O blog Deus me Livro sintetizou bastante bem a história do livro, contando que ‘“A Visão das Plantas” narra-nos a história do capitão Celestino, antigo pirata, que todos assusta e simultaneamente encanta com as belas plantas do seu jardim’. A vida misteriosa e feroz, essa, é passado: “Acordou em casa, restaurado, após uma vida cheia”. Assim, será no jardim que Celestino passará grande parte dos seus dias, cuidando das suas plantas como quem busca proteção das tentações e dos desvios cometidos na vida.
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