Você já conhece os melhores poemas de António Salvado? António Forte Salvado é um poeta e escritor português, mais conhecido pela poesia. Além de ser autor de uma grande obra poética, ele também se dedicou a escrever ensaios e antologias. Ele nasceu em Castelo Branco, no dia 20 de fevereiro de 1936, e já fo premiado nacional e internacionalmente. Ele Está traduzido para francês, inglês, italiano e castelhano.
Com produção extensa, já publicou: A Flor e a Noite (1955), Recôndito (1959), Na Margem das Horas, (1960), Narciso (1961), Difícil Passagem (1962), Cicatriz (1965), Tropos (1969), Jardim do Paço (1971), Estranha Condição (1977), Interior à Luz (1982), Antologia (1955-1971) (1985), Face Atlântica (1986), Amada Vida (1987), Descodificações (1988), Matéria de Inquietação. E as obras que serviram de base para a presente seleção: Interior à Luz (nova edição, 1995), e A Plana Luz do Dia (1999); Rochas, 2003; Entre Pedras, o Verde, 2004; Palavras Perdudas seguido de Oito Encómios, 2004; Modulações, 2005; Recapitulação, 2005; Quase Pautas, 2005; Ao Fundo da Página, 2007; Afloramentos, 2007
O NotaTerapia separou os melhores poemas António Salvado. Confira:
TODO O TEMPO…
Todo o tempo é sagrado:
embora no verão
o sol requeime tanto
que o corpo esquece a alma;
embora no outono
do rosto a palidez
augure e urda sombras
dum súbito sofrer;
embora no inverno
a neve a tempestade
até aos ossos gelem
desígnios ou vontades;
na calma primavera:
tudo em cores germina
e solícita a terra
o porvir adivinha.
ANOS SE LEVA
Anos se leva a descobrir a pátria:
a terra onde existir p´ra sempre a salvo,
o barro que há-de modelar a alma,
a língua a ser sabida a ser falada.
E que os rios e serras e que mares
e que cidades grandes ou lugares,
que plantas animais vão habitar
essas paisagens virgens a brotarem.
Porque o amor — uma conquista lenta —
precisa de passado e de presente
quando constrói os elos do futuro;
que a pátria seja em ânsia toda a gente —
de mãos nas mãos e olhos indif´erentes
a quem não queira partilhar o fruto.
É Noite, Mãe
As folhas já começam a cobrir
o bosque, mãe, do teu outono puro…
São tantas as palavras deste amor
que presas os meus lábios retiveram
pra colocar na tua face, mãe!…
Continuamente o bosque se define
em lividez de pântanos agora,
e aviva sempre mais as desprendidas
folhas que tornam minha dor maior.
No chão do sangue que me deste, humilde
e triste, as beijo. Um dia pra contigo
terei sido cruel: a minha boca,
em cada latejar do vento pelos ramos,
procura, seca, o teu perdão imenso…
É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!…
António Salvado, in “Difícil Passagem”
ARDE NO FOGO
Arde no fogo a liquidez do ser,
o multicor segredo das origens:
parcelas abrasadas construídas,
harmonia gritante de pureza,
o caos ganhando a forma diluída
da chama desfolhada em labaredas
e encontros
desencontros nos ardidos
veios das veias a flagrar ilesos.
Desolação?
O Espírito renova
fecundamente o grito do silêncio
como um rio — surpreso — entre montanhas;
sacral marida o lume a luz reflora
e modela a vibrar sonoro e lento
à beira do abismo a tez da esp´rança.
Amizade
Uma criança muito suja atira pedras a um cão. O cão
não foge. Esquiva-se e vem até junto da criança
para lhe lamber o rosto.
Há, depois, um abraço apertado, de compreensão e
de amizade. E lado a lado, com a mãozinha muito
suja no pescoço felpudo, lá vão, pela rua estreita,
em direcção ao sol.
António Salvado, in “Cicatriz”
EXILADO
Exilado por vezes bato à porta
do meu desterro: uma total mudez
configura nas frinchas a resposta —
a fechadura sem rodar imóvel,
extática a madeira sem ranger.
Torno a bater e doem já os ossos
da mão direita mas ainda ilesos
até que um som ligeiro se descobre
naquela névoa do silêncio e corre
obedecendo a súplice desejo.
Entrei — aberta a porta —: um rosto ameno
serenou-me nas chagas desalentos.
Depois finalizada a luz do dia
fez rechinar a porta
e eu saí.
De A Plana Luz do Dia. Coimbra: A Mar Arte, 1999.
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A Eterna Ausência
Eu aguardei com lágrimas e o vento
suavizando o meu instinto aberto
no fumo do cigarro ou na alegria das aves
o surgimento anónimo
no grande cais da vida
desse navio nocturno
que me trazia aquela com lábios evidentes
e possuindo um perfil indubitável,
mulher com dedos religiosos
e braços espirituais…
Aquela mulher-pirâmide
com chamas pelo corpo
e gritos silenciosos nas pupilas.
Amante que não veio como a noite prometera
numa suspensa nuvem acordar
meu coração de carne e alguma cinza…
Amante que ficou não sei aonde
a castigar meus dias involúveis
ou a afogar meu sexo na caveira
deste carnal desespero!…
António Salvado, in “A Flor e a Noite”
ELEMENTOS PARA UMA MARINHA
Montam seus olhos em velozes potros
e percorrem — perdidas — as areias.
Do mar se evola apaixonada o vôo
ao âmago do cio: são as eiras
das águas onde a espiga deixa o grão
e as ondas arrepio do desejo.
Uma gaivota cruza em desafio
a superfície do calor disperso.
E elas mais ágeis em sorrir aberto
rolam conchas e búzios pelo dedos:
recolhem entre o corpo algas viscosas
e a sua boca é sal, é mar, é sol.
SURDINA
É num rosto promessa: no rubor
das videiras e bagos de romã,
embarco marinheiro sem temor
indício mensageiro da manhã.
Em fogo seco as lágrimas vertidas
na tua face rubra de pureza.
E alveja num regresso de infinito
O teu rosto no meu: canção desejo.
Extraídos de INTERIOR À LUZ. Coimbra: A Mar Arte, 1995
NAVEGAÇÃO
Ondas de vento assolam o batel,
fustigantes como agres sobressaltos —
estremece no mastro a panda vela
e ele singra sem rota pelo mar.
Para quê reforçar um fresco alento,
outra coragem que lhe entregue alor,
se cada vez mais forte batem ventos
e as vagas o tragando quase todo?
Há um farol aceso pela costa
recortada em aléns de densa névoa?
Um porto onde ancorar tranqüilo e certo,
dissipando negror à sua volta?
E aí, o que achou dos melhores poemas de António Salvado?
Fonte: https://www.citador.pt/poemas/a-eterna-ausencia-antonio-forte-salvado
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/portugal/antonio_salvado.html